Recuperação econômica da região será lenta, gradual e restrita em 2017.

Assessoria de Comunicação da Universidade de Caxias do Sul - 24/02/2017 | Editado em 02/03/2017

De acordo com a doutora em Economia Maria Carolina Gullo, setores produtivos da região começam a retomar crescimento em 2017, mas necessitam agregar inovação às suas expertises tradicionais para garantir competitividade a longo prazo

Ariel Rossi Griffante – argriffante@ucs.br

Diretora da Área de Conhecimento das Ciências Sociais da UCS, prof. dra. Maria Carolina Gullo: interação entre o ‘tradicional’ e o ‘novo’ pode colocar Caxias do Sul e região no protagonismo de uma nova economia.

Enquanto movimentos sociais, artísticos e intelectuais reivindicavam que a anistia a refugiados políticos, no final do governo de Ernesto Geisel (1974-1979), fosse “ampla, geral e irrestrita”, o então presidente da República mantinha a posição anunciada no início do mandato, de uma abertura política “lenta, gradual e segura”.

Articulada pelo general nascido em Bento Gonçalves (RS), a anistia viria, em forma de lei, em agosto de 1979, com o país já sob comando do carioca João Figueiredo, último presidente do período militar (1964-1985).

Os enunciados de três palavras cada, no entanto, perduraram na mentalidade social brasileira como lemas conceituais por mais alguns anos. Passadas as décadas, ainda servem para ilustrar a diferença entre anseio e perspectiva – dessa vez, quanto à recuperação econômica do país. Curiosamente, em uma época de recrudescimento de antagonismos entre visões de modelos econômicos e de regimes governamentais.

O setor empresarial, visando alcançar níveis mais alta de competitividade, deseja reformas “amplas, gerais e irrestritas” nas políticas econômica e ligadas à produção – especialmente em temáticas como a carga tributária e a infraestrutura e a logística para manufatura e escoamento de bens. Quem espera por emprego, ou melhores salários, por sua vez, gostaria de aplicar os mesmos adjetivos ao definir o contexto de oportunidades de trabalho almejado para 2017 – desenhando-se um panorama de oferta de vagas amplo, geral e irrestrito.

No entanto, a atribulada situação política do país e os reflexos da recente degradação econômica – além de entraves históricos como a altíssima incidência de impostos para a produção (que se constitui em mais de 40% do custo médio de manutenção de uma empresa no país), o combate ineficiente à sonegação e a deficiente aplicação dos recursos públicos – sugerem um processo de reestruturação da economia brasileira muito mais próximo do “lenta e gradual”.

Como em um cenário de instabilidade não há a condição de “segura”, fica incompleto o paralelo com o slogan militar. Assim, a (esperada) retomada econômica nacional e regional tem muito mais propensão de acontecer valendo-se de uma derivação de um dos conceitos do lema concorrente: não se dará de forma ampla e nem geral, mas sim de maneira bastante restrita.

Ampliação da matriz econômica

Estas perspectivas se amparam nas projeções de empresários, analistas e especialistas de mercado para o ano – pelo menos dentro do que é possível vislumbrar em meio à nebulosidade provocada pela crise institucional instaurada nas esferas federais do poder a partir dos desdobramentos da Operação Lava-Jato, e que deve se arrastar até a eleição presidencial de 2018.

Em Caxias do Sul, uma destas especialistas é a doutora em Economia Maria Carolina R. Gullo, diretora da Área do Conhecimento das Ciências Sociais da UCS e membro do Conselho Temático e da Diretoria de Economia e Finanças da Câmara de Indústria, Comércio e Serviços (CIC) de Caxias do Sul.

Em entrevista publicada na revistaUCS reproduzida a seguir, a professora aponta para uma expectativa de estancamento da redução de postos de trabalho em Caxias do Sul e região seguida de um crescimento discreto da economia. Carolina também avalia as dificuldades e oportunidades dos setores produtivos locais, sobretudo ressaltando a necessidade de se agregar inovação à matriz econômica tradicional, de modo a evitar seu esgotamento e a garantir a capacidade de geração de emprego e renda no longo prazo.

revistaUCS: Quais as perspectivas da economia da região para 2017?

Prof. Maria Carolina Gullo: A economia de Caxias do Sul foi a mais atingida com a crise em função do perfil econômico da cidade, bastante dependente do setor metalmecânico, sobretudo automotivo. Mas a partir da análise dos indicadores econômicos, entende-se que o pior já passou, e que lentamente a economia local, mais do que a regional, deve voltar a crescer. Estamos reconquistando mercados perdidos no exterior e, em relação às importações, percebe-se uma substituição por produtos nacionais, o que incrementa a produção regional. É urgente a necessidade de reformas como a tributária, a política e a da previdência, que possibilitem o destravamento do crescimento econômico nacional e regional.

Esta possível recuperação chegaria a reverter o cenário de redução de empregos instalado desde 2014?

O desemprego foi maior em 2015. Em 2016, o ajuste no mercado de trabalho continuou acontecendo, porém, em velocidade e intensidade menores. Se a previsão de crescimento do PIB estiver correta e chegarmos a 1%, como aposta o mercado, a tendência para 2017 é de que o fechamento de vagas deva ser cada vez menor, podendo estabilizar a partir do segundo semestre.

“Em infraestrutura não podemos ficar esperando pelo governo. De lá não virão recursos”

Além dos fatores macroeconômicos, que resultaram na crise do setor metalmecânico, o empresariado local aponta o histórico gargalo logístico do segmento – referindo aos elevados custos para o transporte do aço desde as siderúrgicas do centro do país e, depois, para o escoamento da produção, pela defasagem dos modais de transporte. O que é possível fazer a respeito enquanto não ocorre a construção do Aeroporto Internacional de Cargas e Passageiros em Vila Oliva, tida como solução?

Em termos de infraestrutura não há muito o que fazer no curto prazo, apenas reparos nas principais vias de acesso à cidade. Os investimentos para este setor são de médio e longo prazo. Mas movimentos em busca da implantação de outros modais, como o trem e o aéreo, precisam continuar para se alcançar uma matriz de transportes à altura da das necessidades da região. Também há estudos sobre alternativas às estradas já existentes, mas requerem tempo e recursos para saírem do papel. O certo é que não podemos ficar esperando pelo governo. De lá não virão recursos. A solução passa por parcerias público-privadas ou simplesmente privatização. Embora este último termo nos remeta a lembranças não muito agradáveis, como os pedágios existentes até pouco tempo, não é possível fazer mágica. Nem a União, e muito menos o Estado, têm condições de abraçar investimentos desta envergadura. Teremos que fazer escolhas.

Quando se cogita a participação do poder público no desenvolvimento econômico, costuma-se apontar a concessão de incentivos para a instalação de indústrias. Isso ainda é um mecanismo necessário e eficiente? De que outros modos o poder público pode contribuir com a geração de emprego e renda?

Se você perguntar ao setor produtivo se ele deseja incentivos fiscais, é claro que ele vai dizer que sim. Quem não gostaria de ter descontos nos impostos ou de obter uma linha de crédito com juros subsidiados para investir? Mas não se trata de querer. No momento, o governo não tem condições de realizar uma política de incentivos como fez em 2009. O setor produtivo terá que buscar alternativas. A maior contribuição que os governos federal e estadual podem dar, no momento, é promoverem as reformas necessárias para recuperar as contas públicas e criar um ambiente mais favorável aos negócios, a partir de regras definidas e que sejam devidamente cumpridas. Isso gera estabilidade política e econômica que favorece a toda a sociedade.

“Diversificação não significa abandonar o setor metalmecânico, mas buscar nichos que precisem desta expertise”

A contundência com que a crise econômica atingiu o setor industrial caxiense é indicativo de que o modelo tradicional local alcançou seu limite, havendo risco de retrocesso? Ou ele ainda é forte o suficiente para conduzir o desenvolvimento? É necessário mudar/ampliar a matriz econômica regional?
Já temos um certo consenso de que a matriz econômica de Caxias do Sul precisa ser revista. O modelo de ‘dobrar chapa’ e produzir para a cadeia automotiva durou mais de 60 anos, mas precisa ser repensado. Temos a expertise do setor metalmecânico, no entanto, precisamos explorar outros setores que precisam desta competência. Reitero que quando se diz que a matriz carece de diversificação isso não significa abandonar o setor metalmecânico, mas buscar novos nichos em atividades que precisem desta expertise. Podemos usar este setor para as atividades voltadas para a saúde, por exemplo, produzindo instrumentos, equipamentos, próteses, enfim materiais que necessitam do setor metalmecânico.

Quais atividades têm melhor potencial de exploração?

No setor da Saúde,mantendo o exemplo, temos o melhor e maior campo de pesquisa da região na nossa universidade, com os cursos da área, o Hospital Geral, a Clínica de Fisioterapia, o Instituto de Medicina do Esporte e outros tantos laboratórios. Juntos com outras áreas do saber, como as engenharias, e com o setor industrial, podem se desenvolver novos produtos, como já está acontecendo na interação entre a Medicina e a Engenharia no desenvolvimento de próteses, mas podemos avançar muito mais.

Outro setor que pode ser melhor trabalhado é o Turismo, bastante explorado regionalmente, mas ainda pouco em Caxias do Sul. Temos feiras importantes, um festival de blues, belas paisagens e lugares bonitos na área rural que podem entrar em rotas do turismo de lazer e do turismo ecológico. Além disso, a UCS é uma das poucas universidades que tem um programa de pós-graduação stricto sensu em Turismo. Ou seja, conhecimento temos de sobra para auxiliar neste processo de redescobrimento do potencial econômico de Caxias do Sul.

O TecnoUCS propõe a ampliação da matriz econômica regional com base em tecnologia, inovação e pesquisa. De que modo esses conceitos podem ser agregados pelas empresas locais?

Vivemos a sociedade do conhecimento, onde tecnologia, pesquisa e inovação andam juntas. Isto não é novo. A questão é que os países menos desenvolvidos, como o nosso, sempre foram ‘compradores’ de tecnologia. Pesquisar e inovar leva tempo e pode custar muito caro. Normalmente apenas as grandes empresas e/ou multinacionais possuem um setor de pesquisa e desenvolvimento. As demais são ‘copiadoras’ ou buscam parcerias para desenvolver seus produtos. Sei que esta afirmação acima não agrada, mas Schumpeter (N.Ed.: um dos mais importantes economistas da primeira metade do século XX e dos primeiros a considerar as inovações tecnológicas como impulsionadoras do desenvolvimento capitalista) já dizia, na década de 1940, que uma inovação é uma ação de um empreendedor que estará sozinho em um determinado mercado até ser copiado pelos demais. Segundo ele, nem todos são empreendedores, alguns são somente administradores.

“Inovação é uma ação de um empreendedor que estará sozinho em um determinado mercado até ser copiado pelos demais”

A partir disso pode-se dizer que, para o setor produtivo local se manter competitivo, investir em inovação já apresenta caráter de imprescindibilidade?

Penso que o Pa
rque de Ciência, Tecnologia e Inovação – TecnoUCS chega em um momento bastante oportuno, principalmente para Caxias do Sul, onde o modelo econômico apresenta esgotamento e precisamos converter a expertise e o espírito empreendedor em novos produtos, com mais tecnologia, com inovação. Isto possibilitará o resgate da competitividade das empresas locais e da região, colocando a produção industrial em um novo patamar. É preciso não esquecer do setor de serviços, o que mais cresce e que, por natureza, tem agregado tecnologia. Este setor tem sido importante aliado da indústria e do setor primário e deve continuar exercendo um papel cada vez maior na atividade econômica. Seu lugar em um parque tecnológico é vital.

Como está o cenário da Economia Criativa e das startups na região? De que forma esses conceitos inovadores podem se compatibilizar com o modelo industrial tradicional e colaborar com a geração de desenvolvimento?

“Se juntarmos a vontade de inovar com o empreendedorismo que faz parte do nosso DNA, os resultados serão muito positivos”

Este ambiente proposto pela sociedade do conhecimento desperta o animal spirit de Keynes (N.Ed.: economista britânico que alcançou influência mundial como teórico da macroeconomia), ou seja, a atual conjuntura econômica força as empresas a se reinventarem, e isto passa pelo processo de inovação que requer, via de regra, mais tecnologia e conhecimento. As startups são embriões desta nova forma de pensar e agir em relação aos negócios. Se juntarmos a vontade de inovar com o empreendedorismo que faz parte do nosso DNA, os resultados serão muito positivos. No entanto, é preciso lembrar que os resultados advindos de pesquisa e desenvolvimento ou de startups não são auferidos em curto espaço de tempo, mas em médio e longo prazo. Por outro lado, vivenciar um ambiente de inovação é condição essencial para que as startups se desenvolvam, e a Universidade de Caxias do Sul tem possibilitado este ambiente e está ajudando a difundi-lo a partir do TecnoUCS e do StartUCS. Portanto, temos a oportunidade de fazer o ‘tradicional’ interagir com o ‘novo’, e o resultado disso será uma matriz econômica oxigenada, moderna, cujos frutos devem colocar Caxias e região como protagonistas de uma nova economia.

Reportagem publicada na revistaUCS – edição 22 – Jan/Fev 2017 – Leia mais.
Foto: Claudia Velho