Volta às aulas: Celso Vasconcellos participa de encontro com professores.

Educador Celso Vasconcellos defende qualificação da relação interpessoal entre professor e aluno como instrumento para apropriação crítica, criativa e duradoura do conhecimento.

Volta às aulas: Celso Vasconcellos participa de encontro com professores.

Um dos maiores especialistas em Educação do país, Celso Vasconcellos palestrou para os professores da UCS em encontro de abertura do ano letivo com a reitoria, dia 18, no UCS Teatro.

O papel do professor como mediador da construção do conhecimento, provocando a reflexão e a iniciativa do aluno, trabalhando sua autonomia, disposição e olhar para atuar com o conhecimento em sala de aula ou na relação com a sociedade, é a proposição do educador Celso Vasconcellos para uma pedagogia capaz de promover a aprendizagem efetiva. Doutor em Educação pela USP, mestre em História e Filosofia da Educação pela PUC/SP, filósofo, pedagogo e diretor do Libertad - Centro de Pesquisa, Formação e Assessoria Pedagógica, em São Paulo (SP), o especialista teceu relações entre os saberes básicos para a docência, gestão de sala de aula e os princípios da educação para o desenvolvimento humano pleno em palestra para os professores da Universidade de Caxias do Sul em encontro da reitoria com os docentes realizado em 18 de fevereiro, no UCS Teatro.

Com a experiência de 41 de seus 60 anos dedicados ao magistério, Vasconcellos contesta o modelo baseado na memorização mecânica de conteúdos. Para ele, o saber primordial do professor, além das necessárias competências técnicas, é a capacidade de ajudar o outro a aprender, fundamentada no estabelecimento de vínculo humano com o aluno. Assim, defende a sensibilidade como primeira condição para a mestria. “Você pode fazer mestrado, doutorado, pós-doutorado, mas se não muda o olhar, não age a partir da sensibilidade, a cada título que recebe, acaba enxergando menos o outro na sua frente”, alertou.

Como efeito do “embotamento da sensibilidade”, Vasconcellos pontua que inúmeros estudos sobre gestão da sala de aula revelam que o sucesso ou fracasso da relação professor-aluno decide-se nas primeiras aulas. “Preparar bem uma aula é, sobretudo, preparar-se interiormente para acolher aquelas pessoas com as quais vamos trabalhar, para que o aluno encontre alguém que realmente deseja ser professor dele”.

Consciência da incompletude – Para o educador, a problemática se estabelece quando o docente ignora a constituição histórico-cultural do magistério. “Muito professor não tem noção do seu valor, não percebe a importância da sua atividade, da repercussão tem na vida dos alunos e da sociedade. Outros colegas têm dificuldade enorme de reconhecer seu erro. Trata-se do que falava Paulo Freire sobre a humildade: a consciência da incompletude. Saber que falta algo – que é um dos princípios básicos da pesquisa”, observou.

Tal distorção aconteceu, ensina Vasconcellos, ao longo do processo de institucionalização das universidades, a partir da Idade Média. “Num certo momento, para se tornar mestre ou doutor, deixou-se de comprovar a capacidade de ajudar o outro a aprender. Tinha-se que provar domínio de determinada área. Virar mestre não tinha mais nada a ver com processos de ensino-aprendizagem que vinham de Sócrates, Platão, Aristóteles, Cícero, Quintiliano, Agostinho”, relata. “A semelhança com dias atuais não é mera coincidência, quando vemos pessoas com mestrado e doutorado, mas muita dificuldade em fazer esse trânsito”.

Esse desvio original, define o especialista, “impõe ao professor o desafio do desenvolvimento pessoal, que todo ser humano deve fazer”: trabalhar o 'Sou' (autoestima), o 'Ainda não sou' (autocrítica) e o 'Posso vir a ser mais' (auto-superação). “Ser 'dador de aula' é muito fácil, mas trabalhar de fato com o desenvolvimento humano pleno, a alegria crítica de cada um e de todos, através da apropriação criativa, significativa e duradoura dos conhecimentos historicamente relevantes para a formação da consciência, do caráter, da cidadania, da preparação para o trabalho, é mais complexo. Uma coisa é ensinar algo a alguém, o que qualquer um faz; outra é ensinar os saberes necessários a todos. Isso é coisa de mestre”.

Na prática, a teoria é outra
Vasconcellos ressalva que as contradições na prática pedagógica, além de inerentes ao ser humano, resultam também de fatores externos e objetivos – como classes superlotadas, pouco tempo para explorar conteúdos, carência de recursos técnicos e a falta de uma linha comum de trabalho. Contudo, destaca a relevância de aspectos subjetivos como a frágil formação pedagógica do professor, e o pensar dicotômico, que opõe a potência discursiva/narrativa do professor com a autonomia/iniciativa do aluno. "Muitos professores exigem domínio científico por parte dos alunos, todavia, são altamente tolerantes com a falta de domínio científico deles em relação à sua atividade", justifica.

O 'imprinting instrucionista' – herança da metodologia passiva (professor fala/aluno escuta) e de saberes fragmentados praticada desde o século XVI e impregnada nas instituições, docentes e estudantes, também é apontado pelo especialista como altamente responsável pelas dificuldades da pedagogia convencional. "De modo geral, na Educação Infantil trabalha-se muito bem o lúdico, mas, no primeiro ano do Ensino Fundamental se insere a ideia de que 'agora é sério'. Um aluno é colocado atrás do outro, o professor na frente, em um modelo que vai sendo estampado por 12 anos. Quando o professor quer mudar o tipo de aula, muitas vezes a reação contrária é do próprio aluno, tão acostumado que está com o formato".

Volta às aulas: Celso Vasconcellos participa de encontro com professores.

Professores assistem à palestra de Celso Vasconcellos.

Querer, agir e expressar-se
De acordo com Vasconcellos, a construção do conhecimento implica “articular as várias esferas da existência – o mundo objetivo, o social, o subjetivo e o espiritual (transcendente, que vai além dos interesses imediatos e oferece sentido para a vida)”. Formado como mediador desse processo, o professor ganha condições de desencadear mediações didáticas para resgatar o aluno com dificuldade para o aprendizado. “Não há receita, porque a situação em sala de aula é muito complexa, mas há métodos – caminhos para atingir finalidade partindo de uma dada realidade”, explica.

O primeiro deles é a revisão do trabalho com o conhecimento. “Para conhecer é preciso querer, agir e expressar-se. Então, o professor não vai esperar que o aluno venha motivado, mas mobilizá-lo a situações de ação onde há propriamente a construção do conhecimento e, um elemento importantíssimo, momentos de elaboração e expressão da síntese, que fecham o ciclo do aprendizado”, destaca.

A oferta de um currículo com projetos, transformando a pesquisa em princípio educativo; a avaliação formativa, voltada a qualificar em vez de classificar e excluir; e o zelo pelo relacionamento interpessoal são elementos indicados pelo educador como capazes de atender as exigências subjetivas para o aprendizado, despertando a 'alegria crítica' em sala de aula, “que ocorre quando o aluno percebe-se capaz de resolver situações em diversas áreas da vida”.

As 4 grandes alegrias da docência
Como promover a alegria crítica no aluno se o professor também não a estiver sentindo? Como o primeiro aspecto será reflexo do segundo, Vasconcellos aponta a observância de quatro elementos que sustentam o sujeito enquanto professor, resgatando e mantendo o propósito pessoal:
Atividade extremamente relevante à sociedade – “Dando atribuição de sentido à existência”
Relacionamento humano – “Trabalhar com gente é ser desafiado diariamente a tornar-se um ser humano melhor”
Aprendizagem – “Um professor de fato tem que estar sempre aprendendo. O princípio é a curiosidade, desejo, mobilização, motivação. O conhecer dá muito prazer”
Ensino – “Ver um sujeito crescer com tua ajuda, tua mediação é o que Rubem Alves dizia quando definiu que 'ser professor é brincar de Deus', é ser coautor da criação)

Vasconcellos em citações comentadas
'O mestre orienta os discípulos e, nos momentos de depressão, os discípulos reorientam o mestre', Michael Bloomberg: “Isso só pode ser bom para todos, e acontece tendo sido criado vínculo antes”.

'Amar é um respeito pela individualidade, pela singularidade. Amar nos permite ser vistos, ter presença, ser escutados, enfim, existir como pessoa', Humberto Maturana e Ximena Dávila: “A primeira coisa que o aluno quer, antes de qualquer conteúdo, qualquer matéria, é ser reconhecido como pessoa. O amor é princípio e fundamento da existência – é o que mais buscamos. As pessoas buscam beleza, dinheiro, poder, brilhantismo intelectual para serem amadas. Muitas vezes o aluno está buscando esse amor”.

“Amar é um tipo de comportamento em que não há expectativas e preconceitos. Impera a aceitação do outro da forma como ele existe”, Humberto Maturana e Ximena Dávila: “O afeto enquadrador é aquele que diz 'eu te amo se você entrar no meu esquema'. O afeto radical é aquele que aceita o outro como ele é. Se ele errar, você fica contra o erro, não contra ele. Lembrando Santo Agostinho, 'Odeie o pecado, mas ame o pecador'. É um fundamento que precisamos vivenciar porque, no princípio da aprendizagem, do ensino e da própria existência, está a dinâmica do amor”.

Texto: Ariel Rossi Griffante - Fotos: Claudia Velho