Bullying: educadores, pesquisadores e psicólogos debatem o tema na UCS.

Assessoria de Comunicação da Universidade de Caxias do Sul - 16/08/2018 | Editado em 20/08/2018

As discussões sobre os conflitos escolares levaram educadores, psicólogos e pesquisadores ao UCS Teatro para um dia de avaliações sobre o que é possível fazer para prevenir e dar fim ao bullying.

O processo de interdependência entre os indivíduos é essencial para se compreender a convivência na sociedade e, no ambiente escolar, essas relações de interdependência se tornam potencializadas. A observação da pró-reitora Acadêmica da UCS, professora Nilda Stecanela, abriu os trabalhos do Seminário Regional “Precisamos Falar Sobre Bullying”, destinado à comunidade escolar, realizado na quinta-feira, dia 16 de agosto, no UCS Teatro.

Na mesa de abertura do evento, a pró-reitora destacou que a sociedade vive num limiar de um processo civilizatório em que precisa pensar, discutir e efetivar novas formas contemporâneas de conviver. Além de atuar na gestão universitária, a professora Nilda Stecanela orienta trabalhos de mestrado e doutorado no Programa de Pós-Graduação em Educação e pesquisa sobre as questões que envolvem violência e espaço escolar. Nesse contexto, ela ressalta que a escola é parte da própria sociedade. “Todos os tensionamentos e ensinamentos da sociedade se manifestam de algum modo na escola”, reflete, destacando que é papel da educação básica trabalhar temas relacionados à cidadania.

Na mesa de abertura do evento, Janice Moraes, coordenadora da 4ª CRE, a pró-reitora Acadêmica da UCS, professora Nilda Stecanela, a vereadora Paula Ióris, presidente da Comissão Temporária Especial para o Enfrentamento da Violência, e Eva Teixeira, coordenadora do programa Caxias da Paz.

As relações que ocorrem no ambiente escolar e as aproximações com os fenômenos sociais, apontados pela pró-reitora pautaram as discussões ao longo do seminário. Na palestra de abertura, o coordenador do curso de Educação Física da UCS, professor Ricardo Rech, apresentou dados da pesquisa que desenvolveu durante o doutorado em Ciências da Saúde, na UFRGS.

O estudo aplicou instrumentos de pesquisa em 5032 estudantes de 11 a 14 anos, de dez municípios da região. Com o apoio de alunos do curso de Educação Física, o pesquisador conseguiu avaliar a situação do bullying em instituições de educação básica em Caxias do Sul, Bento Gonçalves, Farroupilha, São Pedro da Serra, Campestre da Serra, Nova Bassano, Bom Jesus, Nova Petrópolis, São Marcos e Garibaldi.

Entre os resultados, Rech identificou uma prevalência superior do bullying entre os alunos que narraram já ter sofrido algum tipo de intimidação no ambiente escolar. Entre os pesquisados, 10,1% já disseram ter sofrido bullying, na média entre os municípios. Esse índice supera os 7,2% de prevalência constatado na Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar.

“Muitos indicadores demonstram que o estudante vítima de bullying, quando mais jovem, acaba se transformando num agressor quando mais velho”, explica o pesquisador, alertando para o círculo vicioso desse tipo de violência escolar. Os dados exemplificam a situação: a maior fatia de agressores está concentrada na idade de 14 anos.

O professor alertou os educadores sobre os locais da escola em que o bullying mais ocorre, de acordo com os estudantes pesquisados. O pátio da instituição e a sala de aula se mostram como os espaços mais reincidentes para a prática de intimidação. Os números atentam ainda para os tipos de bullying. Os meninos têm a tendência de utilizar a intimidação física, enquanto as meninas utilizam a violência verbal e emocional.

Coordenador do curso de Educação Física, professor Ricardo Rech, palestrou sobre a pesquisa desenvolvida durante o doutorado.
No final da manhã, a promotora Simone Martini, titular da Promotoria de Justiça Regional da Educação de Caxias do Sul, falou sobre o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying), instituído pela Lei nº 13.185, de 2015, apresentando um panorama sobre o funcionamento dessa legislação e como ela pode ser aplicada.

A pesquisa categorizou ainda as vítimas e os agressores a partir de características e comportamentos. Entre os dados, um chama atenção: os estudantes que permanecem mais de 3h por dia em frente à televisão, videogame ou computador apresentaram 39% a mais de chances de serem vítimas de bullying.

A partir do resultado, Rech salienta que o bullying tem reflexos diretos sobre a vida do estudante, como a própria mudança de escola. “A mudança de escola não afeta apenas a vida do aluno. Mas toda a rotina familiar que está envolvida ali”, contextualiza.

Como forma de enfrentamento ao bullying, Rech destaca a necessidade de fazer intervenções diretamente nos grupos afetados pela prática, estimular a solidariedade entre os estudantes e, especialmente, reconhecer e valorizar comportamentos saudáveis dos estudantes.

Estudantes realizaram uma encenação sobre bullying no ambiente escolar.

O que a psicologia tem a ver com bullying?

Os psicólogos foram responsáveis pelas atividades no evento durante a tarde. A partir de diferentes abordagens, Camila Scheifler Lang, psicóloga e mestre em Filosofia pela UCS, Josiane Borges Soares e Manoela Michelli, psicólogas do Núcleo de Orientação às Circunstâncias que Envolvam Suicídio do Instituto LUSPE, e Rodolfo Pizzi, psicólogo, mestre em Saúde Coletiva e coordenador da Central de Pacificação Restaurativa da Infância e da Juventude, falaram sobre o bullying a partir do questionamento “O que a psicologia tem a ver com isso?”.

O psicólogo Rodolfo Pizzi e as psicólogas Camila Scheifler Lang, Manoela Michelli e Josiane Borges Soares participaram do painel “O que a psicologia tem a ver com isso?”.

Camila questionou a lógica do sistema social que se preocupa com a violência no ambiente escolar, mas que valoriza a competitividade em outras situações, como na economia. “Como a gente evita o bullying numa sociedade que fabrica o bullying?”, questionou.

Pizzi focou nas conexões que as pessoas criam no cotidiano, alertando sobre a importância de criar laços mais efetivos na comunidade escolar. “Como a gente lida com os estudantes? Somos duros nas cobranças, mas a relação também é nossa, precisamos nos conectar com eles. Falamos muito de questões punitivas e impositivas, mas nem sempre olhamos para esse aluno. Não conseguimos vivenciar a relação na integralidade”, considerou, destacando a necessidade de se pensar o contato social de modo mais humano.

Josiane comentou sobre a banalização da violência no contexto social. “Bullying não é brincadeira, porque na brincadeira todos se divertem. Ao banalizá-lo, a gente tira a importância”, declarou, logo antes de enfatizar a necessidade de reforçar os vínculos no ambiente escolar.

Já Manoela acrescentou que não se deve banalizar o sofrimento dos personagens envolvidos na situação de violência. “Quem pratica o bullying já sofreu o bullying em algum nível. Já a vítima que está sendo agredida, vê-se como merecedora daquela agressão”. Tais percepções demonstram como a intimidação sistemática envolve diversos autores num círculo vicioso – e preocupante.

Educadores destacam importância de debater o tema

Marina Araújo, psicóloga

Focado na comunidade regional e escolar, o seminário se transformou em um momento de troca e compartilhamento de conhecimentos entre palestrantes e participantes. Psicóloga da Secretaria Municipal de Educação de Nova Petrópolis, Marina Araújo, de 32 anos, destacou a importância da iniciativa de debater o assunto. “O evento lança um olhar sobre o tema. Assim, podemos pensar em estratégias com a comunidade escolar para criar vínculos solidários”, reflete.

Elisiane de Freitas Live, professora

Elisiane de Freitas Live, de 37 anos, que atua como professora de Língua Portuguesa na rede municipal de ensino de Canela, também participou das atividades do seminário. Atenta aos números informados pelo professor Ricardo Rech na palestra da manhã, ela ficou interessada em como o bullying ocorre no ambiente escolar, especialmente a partir dos locais em que ele mais pode ser observado, no pátio e em sala de aula. “A escola precisa ficar atenta à situação. Além dos ambientes internos, como educadores, também devemos perceber o entorno da escola, na saída de aula. Entre os alunos, podemos alertar sobre o bullying trazendo reportagens, textos e conversando sobre esse problema, para prevenir e corrigir essa situação”, finalizou.

Fotos: Claudia Velho